IGREJAS AJUDAM A RECONSTRUIR BEIRUTE
Naiara Diniz, Marina Farias e Lázaro Campos, Coletivo Bereia
Quase todas as igrejas estão ajudando a reconstruir Beirute, diz líder de ong cristã
A explosão ocorrida na região portuária de Beirute, capital do Líbano, em 4 de agosto deste ano, deixou 163 mortos, mais de 6 mil feridos e 300 mil desabrigados, segundo autoridades locais. A tragédia foi provocada por grande quantidade de material explosivo confiscado armazenado em depósito no porto da cidade, próximo a áreas populosas.
Enquanto as buscas por desaparecidos prosseguiam, Beirute e o restante do Líbano passavam por mudanças. Em meio aos protestos decorrentes da tragédia, o primeiro-ministro Hasan Diab e seu gabinete renunciaram. Alguns dias depois, o diplomata e embaixador do Líbano na Alemanha, Mustafa Adib, foi nomeado primeiro-ministro do país.
Na ocasião, em entrevista ao portal “Evangelical Focus” (do qual a matéria de CPAD News reproduz o conteúdo), a chefe da ONG cristã Together For The Family Izdihar Isaac, que atende refugiados no acampamento libanês de Bekaa, disse que “temos certeza de que as pessoas não vão parar de sair às ruas para protestar”.
Na entrevista, Isaac deu um panorama geral da situação do Líbano e como as igrejas estão fazendo a diferença no cenário caótico do país. A explosão no porto agravou o estado do país, que mesmo antes da pandemia de coronavírus já passava por uma crise econômica.
Diversas igrejas tiveram seus templos danificados pela explosão, mas apesar dos danos sofridos, as congregações têm consciência de que o povo como um todo sofreu com a explosão e vive uma situação crítica. Por isso, as congregações têm se empenhado em ajudar a reconstruir a cidade, afirma.
A líder da ONG cristã também ressaltou que os cristãos têm visto a situação como oportunidade de mostrar às pessoas que há esperança no Evangelho, e mencionou sua preocupação com a situação dos refugiados afetados pela explosão, mas assegurou que assim como outras famílias que sofreram com a tragédia, estes grupos estão sendo ajudados por muitas igrejas.
O relato de Izdahir Isaac não é o único a tratar do trabalho de igrejas para ajudar a cidade depois da explosão. O portal evangélico Guia-me entrevistou o pastor brasileiro André Argente, que mora no Líbano há três anos, onde atua em parceria com uma ONG local em apoio às pessoas atingidas pelo acidente.
PROJETO JUNTOS PELA FAMÍLIA (Together for the family)
Isaac vive e desenvolve seu projeto missionário em Zalé, no Vale do Beqaa, no Líbano, segundo o site da organização Bright Hope World, que apoia o projeto Juntos pela Família. O trabalho de Izdahir Isaac Kassis começou com famílias em situação de vulnerabilidade (especialmente mães e recém-nascidos), mas expandiu-se para o apoio às famílias de refugiados que chegaram ao Líbano com mais intensidade a partir de 2011.
O site da Bright Hope World relata que o projeto já possui várias vertentes, desde distribuição de alimentos, capacitação profissional e até assistência médica. A iniciativa também é apoiada por outra organização missionária, a Fundação Outreach.
RELIGIÃO NO LÍBANO
O Líbano é um país de diversidade religiosa. Em 2010, conforme dados do Pew Religious Center, em termos percentuais o Líbano apresenta a seguinte composição religiosa: muçulmanos (61,3%); cristãos católicos (28,8%); cristãos ortodoxos (8.3%); outros cristãos (1%+), cristãos protestantes (1%), outras religiões (1%-). As principais igrejas são: a Católica Maronita, a Ortodoxa Grega, a Católica Grega (Melquitas), Ortodoxa e as protestantes (Batista e Presbiteriana com mais presença, a que se somam pequenas missões evangélicas de diferentes origens).
De acordo com os pesquisadores Jamil Zugueib Neto e Fábio Bacila Sahd, a população no Líbano está repartida entre dezessete grupos étnicos-confessionais, embora apenas seis possuam representação parlamentar e façam parte do tronco fundador do país. São eles: muçulmanos sunitas, xiitas, drusos, cristãos maronitas, gregos ortodoxos e gregos católicos.
Na época da independência, os maronitas representavam 25% da população e sempre lideraram iniciativas políticas particularistas pelo lado cristão (apoiados por católicos e ortodoxos), apesar de contarem com intelectuais de expressão em movimentos arabistas. Contudo, perderam parte da influência política diante do crescimento populacional e melhoria educacional de outras comunidades, como a xiita.
Apesar de constituírem uma minoria (7% da população), os drusos possuem peso respeitável no jogo político nacional, mas sofre rejeições por parte dos muçulmanos, que os consideram uma seita herética como de cristãos, que apesar do bom convívio, guardam desconfiança devido aos massacres sofridos durante a guerra civil em 1860. Sunitas e xiitas se enfrentam desde os eventos políticos associados à sucessão do profeta Maomé.
Dividida em grupos de ritos e configurações sociais distintas, a sociedade libanesa nutre sentimento de diferença irreconciliável que leva à naturalização das particularidades. A religião enquanto conexão com o sagrado será o referente de orientação nos comportamentos, concorrendo para diretrizes que mobilizam os grupos.
Segundo Neto e Sahd, o que se vê é a superposição de modelos de pensamento convergindo para um discurso que entrelaça princípios e revelações celestiais com a interpretação histórico-política legitimando a causa defendida. Desta forma, os rituais de fidelidade religiosa incitam a devoção na ação política, provocando entusiasmo desproporcional e uma entrega desmesurada do indivíduo à sua causa e ao seu grupo.
ENTENDA A EXPLOSÃO EM BEIRUTE
Conforme matéria publicada pela Folha de S. Paulo, autoridades libanesas haviam alertado o premiê e o presidente do país, em julho, sobre o risco de explosão das 2.750 toneladas de nitrato de amônio armazenadas no porto de Beirute, de acordo com documentos aos quais a Agência Reuters obteve acesso.
Pouco mais de duas semanas após o alerta, os produtos químicos causaram uma mega explosão que destruiu a maior parte do porto, matando ao menos 220 pessoas, ferindo mais de 6 mil, além de destruir prédios do entorno.
O relatório elaborado pela Direção Geral de Segurança do Estado, órgão responsável pela supervisão da segurança portuária, sobre os eventos que levaram ao incidente inclui uma referência a uma carta privada enviada ao presidente Michel Aoun e ao primeiro-ministro Hassan Diab em 20 de julho.
Em entrevista à Reuters, uma autoridade sênior disse que ela resumia as conclusões de uma investigação judicial iniciada em janeiro, segundo a qual, produtos químicos precisavam ser colocados em condições mínimas de segurança.
De acordo com a Folha, a revelação pode alimentar a indignação dos libaneses com o episódio, apontado pela matéria como o mais dramático e recente exemplo de negligência do governo que levou o país a um colapso econômico.
A indignação popular não demorou a aparecer. Em matéria publicada pela Revista Istoé foi relatada a reação da população através de manifestações nas ruas de Beirute e em mídias sociais.
Um grupo de manifestantes foi às ruas e ergueu forcas fictícias com silhuetas de papelão representando os principais líderes, com a corda em volta do pescoço, incluindo Hasán Nasralá, chefe do Hezbollah, organização libanesa paramilitar e política islâmica xiita.
Vários libaneses consideram que a responsabilidade da explosão deve recair sobre todos os partidos que estão no poder, principalmente o Hezbollah, que domina a vida política. Alguns acusam o movimento xiita de ter guardado a enorme quantidade do material explosivo que causou a catástrofe e que estava armazenada no porto para ser usada na guerra da Síria, onde apoia o governo.
A tragédia ocorreu em meio a uma grave crise econômica, política e social vivida pelo Líbano, o que acentuou a rejeição dos libaneses aos líderes e ao Hezbollah, que também está na mira da justiça internacional.
As iniciativas para ajudar vítimas da explosão e para reconstruir a capital, Beirute, foram destacadas em mídias religiosas, católicas e evangélicas. Portais como Pleno News, Exibir Gospel, Portal dos Fatos e Canção Nova relataram ações executadas com o objetivo de auxiliar o povo libanês diante da conjuntura complexa em que o país se encontra.
Dentre as ações noticiadas estão ajuda emergencial no valor de 250 mil euros pela Ajuda à Igreja que Sofre (AIS) para a aquisição de alimentos para famílias pobres afetadas pela explosão e o trabalho voluntário desenvolvido por grupos cristãos, atuando em tarefas como limpeza, ajuda às vítimas, reconstrução de lugares destruídos, dentre outros.
No plano internacional e ecumênico, o Conselho de Igrejas do Oriente Médio e o Conselho Mundial de Igrejas, juntamente com igrejas de todo o mundo, se somaram às associações nacionais de igrejas e realizaram ações de alívio às famílias atingidas e reconstrução da cidade. Estes grupos atuam ainda em cooperação com outros grupos de religiosos em nome da recuperação da cidade, como a campanha “Esperança Beirute”.
Além destas iniciativas, têm ganhado destaque as ações realizadas por grupos de jovens ativistas libaneses e estrangeiros no intuito de reconstruir a capital do país. Agências da Organização das Nações Unidas (ONU) destacaram o papel de jovens na recuperação de Beirute.
O Brasil, país onde vivem atualmente mais de 10 milhões de descendentes de libaneses, segundo estimativas da Câmara de Comércio Árabe-Brasileira, auxiliou o Líbano através de campanhas promovidas pela Associação Cultural Brasil-Líbano, que em 2006 arrecadou mantimentos para o Líbano após ser invadido por Israel. Com a explosão ocorrida em agosto deste ano, a associação se mobilizou para arrecadar mantimentos para as vítimas.
A Campanha Esperança Beirute
O Sínodo Evangélico Nacional da Síria e do Líbano serve como guarda-chuva das congregações reformadas de língua árabe no Oriente Médio. Parte da Comunhão Mundial das Igrejas Reformadas. O Sínodo Evangélico Nacional da Síria e do Líbano representa 20 mil cristãos protestantes. Sua organização de ajuda diaconal é a Sociedade Protestante da Compaixão (Compassion Protestant Society), fundada em 2018. Ela fornece ajuda para o desenvolvimento profissional e opera escolas, clínicas, lares de idosos e outros serviços vitais.
George Ziadeh é CEO da Sociedade Protestante da Compaixão, que iniciou uma campanha de arrecadação de fundos, “Beirut Hope” (Esperança Beirute), para ajudar as centenas de milhares de pessoas afetadas pela explosão no porto de Beirute, em 4 de agosto. A entrevista a seguir foi extraída de uma entrevista original de Ziadeh produzida pela Igreja Evangélica da Renânia, Alemanha, que se juntou ao apelo por doações para as vítimas da explosão.
O que inspirou o nome da campanha?
Ziadeh: O nome da arrecadação de fundos não é coincidência. Beirute passou por muitas crises e guerras. Mas tivemos e sempre teremos a vontade e a esperança de reconstruir o país com o apoio de todo o mundo. É por isso que o projeto se chama Beirut Hope. Já vejo muita esperança. As organizações de ajuda trabalham juntas além das fronteiras religiosas. As igrejas se aproximam das pessoas. E isso definitivamente tornará a igreja uma igreja melhor.
Como você organizou a ajuda imediatamente após o desastre e ajudou as pessoas afetadas?
Ziadeh: Pouco depois da explosão, era importante dar assistência médica às pessoas e colocá-las em segurança. Afinal, mais de 300.000 pessoas perderam suas casas em Beirute. O maior desafio era e é o atendimento médico, porque a maioria dos hospitais de Beirute foram destruídos. Então, tivemos que levar as pessoas para hospitais fora da cidade. O problema, no entanto, é que os hospitais do Líbano não têm capacidade para tratar os 6.000 feridos na explosão de uma vez. A próxima tarefa era fornecer alimentos às pessoas que estavam sentadas em frente aos escombros e ver se precisavam de remédios. Muitas organizações e pessoas de fora de Beirute vieram ajudar.
Quais são as próximas etapas e qual ajuda é mais necessária agora?
Ziadeh: Na segunda fase, nós como a Compassion Protestant Society nos propusemos a tarefa de ajudar 1.000 famílias na reconstrução, cujas casas e apartamentos foram destruídos pela explosão. Estamos falando sobre a reconstrução de 1.000 casas. Será um grande esforço, também financeiro. Muitos fundos de ajuda chegam em dólares americanos e precisam ser convertidos em libras libanesas, embora a taxa atualmente esteja oscilando muito. Mas nosso objetivo é reconstruir as casas das 1.000 famílias até o inverno. Essa é a nossa principal meta para os próximos dois meses antes do início do inverno em outubro. E para isso também arrecadamos doações.
Muitos refugiados sírios também foram afetados pela explosão em Beirute. Como vocês ajudam essas pessoas?
Ziadeh: Definitivamente haverá refugiados sírios entre as 1.000 famílias. Muitos deles moram na cidade. Sabemos que 63 refugiados sírios morreram na explosão. Tentaremos avaliar a situação rapidamente para ver onde a ajuda é mais necessária. Agora é sobre nós, junto com outras organizações, para ajudar o maior número de pessoas possível. Esse é o nosso objetivo.
Pessoas de muitas religiões diferentes coexistem no Líbano. Como funciona a cooperação dessas comunidades de fé?
Ziadeh: Antes desta entrevista, tive um encontro com 60 organizações de diferentes comunidades religiosas e diferentes origens. Não devemos procurar as diferenças agora, devemos ajudar juntos, trabalhar juntos. Entre outras coisas, um bairro cristão pobre foi seriamente afetado pela explosão. Ajudantes muçulmanos também estão trabalhando lá. De qualquer forma, você pode ver ajudantes de todas as organizações em todas as partes da cidade. A ajuda humanitária que atualmente pode ser vista nas ruas de Beirute é impressionante.
Foto de Capa: STR/AFP/Reprodução
Comentários
Postar um comentário